Como a maioria das pesquisadoras de física do Reino Unido, Jessica Wade (Londres, 1988) frequentou um colégio apenas para meninas. Ela trabalha todos os dias para assegurar que, a cada ano, mais meninas escolham carreiras científicas. É fundadora e coordenadora de várias associações, colabora com o Instituto de Física britânico e dá palestras em colégios. Mas Wade tem outra estratégia surpreendente para aumentar a representação das mulheres na ciência: escreve páginas da Wikipédia sobre cientistas do sexo feminino. Uma por dia.

Wade cursou graduação e mestrado no Imperial College de Londres, onde agora trabalha no estudo da eletrônica dos polímeros. “Quando comecei a fazer minha tese de doutorado, era a única garota no grupo de pesquisa. Minha melhor amiga se pós-graduou e para mim de repente ficou muito difícil continuar na universidade que eu amava tanto sem uma rede de apoio. Foi então que percebi que isso deve acontecer com todas as mulheres em todos os departamentos, quando não têm essa melhor amiga”, recorda a jovem pesquisadora.

Criar páginas da Wikipédia sobre cientistas mulheres “é um movimento global”, afirma. Sua inspiração foi a estudante de medicina norte-americana Emily Temple-Wood, que começou a editar a Wikipédia aos 12 anos. Depois de receber uma onda de comentários misóginos, por e-mail e por redes sociais, Temple-Wood decidiu “focar sua ira” de forma construtiva: começou a escrever uma página da Wikipédia sobre uma mulher pesquisadora para cada mensagem abusiva que recebia. Em pouco tempo, a jovem estava à frente de um grupo de colaboradores que conseguiu melhorar a qualidade dos artigos biográficos sobre cientistas até ficarem acima da média de toda a enciclopédia. Esse fenômeno foi batizado de efeito Keilana, em homenagem ao nome de usuária de Temple-Wood.

Wade seguiu seu exemplo escrevendo sete entradas novas por semana, e já soma várias centenas. Rebusca nos arquivos de instituições científicas, passa horas no Twitter, vai a conferências, tudo para encontrar as mulheres ignoradas da ciência, vivas ou mortas. A cada 100 biografias da Wikipédia em inglês, só 17 são de mulheres. “Mas esses 17% não são só para a ciência. Em ciências, onde as mulheres por si só já estão pouco representadas, é muito pior”, denuncia.

“Essa não é só uma realidade triste e discriminatória; é que, além disso, as poucas páginas que existem sobre cientistas costumam se limitar a enumerar os prêmios que elas receberam, mencionar o fato de serem mulheres ou falar de seus maridos. Há pouquíssima informação sobre suas pesquisas”, conta , irritada. “E se você for à página de uma disciplina científica onde sabe que uma mulher fez uma contribuição importante, é muito raro que mencionem o nome dela ou sua contribuição. Fico furiosíssima.” Além disso, Wade observa que a Wikipédia é o principal recurso educativo em muitos países com escassa distribuição de livros didáticos. “Não quero que essa gente tenha uma visão tão distorcida”, acrescenta.

O mais importante na hora de criar uma biografia nova é demonstrar a notabilidade da pessoa, que ela “merece” ter uma página da Wikipédia. E costuma ser muito difícil. “Não posso fazer uma página para a minha amiga só para fazer graça. Na ciência, normalmente é preciso ter certo número de publicações”, explica. “Minha página foi feita por um engenheiro do Imperial College, mas me dá muita vergonha, eu não tenho publicações suficientes para ser notável!”, ri. Ainda assim, Wade confessa querer fazer a biografia de sua mãe, que também foi uma grande inspiração em sua vida. O único motivo pelo qual ainda não a escreveu é para evitar um conflito de interesse, porque na verdade ela cumpre todos os requisitos: é pesquisadora psiquiatra, médica no Serviço Nacional de Saúde (NHS), publicou um livro e, claro, é mulher. Sua filha diz: “Acho que quando pequena não apreciava isso, mas agora lhe digo frequentemente: ‘Um dia destes faço uma página da Wikipédia para você’”.

No caso de escritoras e divulgadoras da ciência, os critérios de notabilidade são mais ambíguos. “Às vezes você cria uma página sobre uma mulher que contribui mais para o diálogo sobre a ciência do que diretamente para a pesquisa, e as pessoas rapidamente começam a apontar que não há notabilidade ou que não ela tem fez nenhuma contribuição. É horrível ler isso”, diz. “Seria horrível ler isso sobre você.”

Justamente por esses comentários, Wade procura esperar a revisão de um editor experiente da enciclopédia antes de compartilhar suas páginas novas. “Mas necessitamos de mais diversidade entre os editores; também aí há uma distorção, porque quase todos são homens”, lamenta. Além disso, a pesquisadora acredita que há outro problema: “Percebi de forma empírica, ainda não tenho dados estatísticos, mas parece que esses comentários aparecem mais rapidamente quando a mulher não é branca. Isso realmente me parece terrível”.

Existe um movimento internacional para melhorar a diversidade em outras versões da Wikipédia. “Em espanhol acredito que 18% das biografias sejam de mulheres. Está um pouco melhor, mas, claro, é uma Wikipédia muito menor [que a inglesa]”. A vantagem, observa, é que há tão poucos editores em outros idiomas que é muito fácil começar e se sentir acolhido pela nova comunidade que está aparecendo. Para todos os que estiverem cogitando aderir, Wade tem um conselho: “Uma forma muito fácil de começar a editar a Wikipédia [em outro idioma] é traduzir artigos da versão inglesa que ainda não existem. Isso seria genial”.

‘WIKITHON’, EDIÇÃO EM GRUPO

Qualquer um pode editar a Wikipédia. Não é preciso nem registrar um usuário. Mas como muitos não se animam sem um empurrão, Wade organiza wikithonsregulares. São eventos onde as pessoas de uma sala editam a enciclopédia em grupo, normalmente durante uma ou duas horas. “Você só precisa de um computador, uma pessoa que entenda a Wikipédia e um grupo de gente motivada a fazer o bem”, diz a física londrina.

Os wikithons podem acontecer em congressos, escolas de verão ou com grupos universitários, mas funcionam especialmente bem em colégios. “Os professores adoram, porque muitas habilidades, como a de consultar fontes imparciais e fazer uma bibliografia, coincidem com material do currículo que eles querem ensinar de qualquer jeito”, diz. “E têm um efeito incrível sobre os jovens: o discurso acostuma ser ‘necessitamos de mais mulheres na ciência’, simplesmente porque é o correto, mas estamos cansados de ouvir isso. Se [os alunos] estão conhecendo as mulheres, todos trabalhando juntos, realmente apreciam as descobertas incríveis que fizeram”.

Fonte: El País