Por Raimundo Simão de Melo
O pagamento dos adicionais de insalubridade visa compensar o trabalhador pelos danos causados à sua saúde pelo contato paulatino com os respectivos agentes agressivos, enquanto que o adicional de periculosidade tem por fim compensá-lo pelo risco iminente à sua vida, pelo contato com o agente perigoso. O fato gerador deste último adicional é o risco.
Quanto aos adicionais de insalubridade e periculosidade o parágrafo 2º do artigo 193 da CLT diz que: “O empregado poderá optar pelo adicional de insalubridade que porventura lhe seja devido”.
Por conta dessa dicção legal não muito clara, parte majoritária da doutrina e da jurisprudência vem entendendo que o trabalhador não tem direito aos dois adicionais, de insalubridade e de periculosidade, mesmo trabalhando em contato com ambos os agentes insalubres e perigosos.
Todavia, a questão merece reflexão. É que os dois adicionais têm natureza diversa, com consequências também diversas para a integridade física e a saúde do trabalhador. Ademais, decorre de princípio constitucional que a todo agravo deve corresponder uma reparação (inciso V do artigo 5º da Constituição Federal).
Enquanto o adicional de insalubridade visa compensar o trabalhador pelos danos causados à sua saúde pelo contato paulatino com os respectivos agentes agressivos, o adicional de periculosidade destina-se à compensação pelo risco iminente à vida do obreiro que se ativa em contato com o agente perigoso.
Para dizer se é devido ou não o pagamento cumulativo dos adicionais de insalubridade e de periculosidade, é preciso, antes, fazer-se uma análise do disposto no parágrafo 2º do artigo 193 da CLT, que diz, repita-se, “o empregado poderá optar pelo adicional de insalubridade que porventura lhe seja devido”.
Assinalo que dessa disposição resultou o entendimento de que o empregado que postula o pagamento de adicional de insalubridade na Justiça do Trabalho deve renunciar ao adicional de periculosidade e vice-versa, porque os dois não se cumulam, cuja conclusão não parece ser cientifica e juridicamente a mais correta.
Se na linguagem comum se diz que “água e óleo não se misturam”, em Direito do Trabalho duas ou mais verbas somente não se cumulam quando tiverem a mesma natureza jurídica, o que não parece ser o caso, porque os dois adicionais aludidos têm natureza jurídica distinta. O adicional de insalubridade tem por fim “indenizar” o trabalhador pelos males causados à sua saúde pelo contato continuado com os respectivos agentes agressivos ao organismo humano, os quais provocam doenças no ser humano, de menor ou maior gravidade, de acordo com o tempo de exposição e fragilidade maior ou menor do organismo de cada trabalhador. Diferentemente ocorre com a periculosidade, cujo adicional é devido simplesmente pelo risco/perigo potencial da ocorrência de acidente de trabalho. O empregado pode trabalhar a vida inteira em contato com agente perigoso e não sofrer acidente algum, mas pode, no primeiro dia de trabalho, ter a vida ceifada pelo contato com um agente periculoso, por exemplo, um choque elétrico.
Assim, se os dois adicionais têm causas e razões diferentes, apenas por lógica devem ser pagos cumulativamente, sempre que o trabalhador se ativar concomitantemente em atividade insalubre e perigosa. Juridicamente o fundamento maior deste raciocínio está no inciso V do artigo 5º da Constituição Federal, que assegura reparação proporcional ao agravo, que, no caso, é duplo.
Também assim entende o juiz do Trabalho Fernando Formolo (“A cumulatividade dos adicionais de insalubridade e periculosidade”, in Revista Justiça do Trabalho, ano 23, n. 269, p. 49/64, maio de 2006), que enaltece o papel do intérprete da Constituição, o qual deve ter compromisso com a efetividade desta, optando por interpretações alternativas e plausíveis que permitam a atuação e concretização do espírito da lei.
Nesse sentido, em decisão unânime da 7ª Turma o Tribunal Superior do Trabalho (Processo RR-1072-72.2011.5.02.03840) afastou a argumentação de que o artigo 193, parágrafo 2º, da CLT prevê a opção pelo adicional mais favorável ao trabalhador e negou provimento ao recurso da empresa, sob o entendimento de que normas constitucionais e supralegais, hierarquicamente superiores à CLT, autorizam a cumulação dos adicionais, aduzindo, ademais, que a Constituição Federal (artigo 7º, inciso XXIII), garantiu de forma plena o direito ao recebimento dos adicionais de penosidade, insalubridade e periculosidade, sem qualquer ressalva quanto à cumulação, não recepcionando aquele dispositivo da CLT.
Fundamentou o Tribunal Superior do Trabalho que a opção prevista na CLT é inaplicável em razão da introdução no sistema jurídico brasileiro das Convenções 148 e 155 da OIT, que têm status de normas materialmente constitucionais ou, pelo menos, supralegais, como foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal. A Convenção 148 “consagra a necessidade de atualização constante da legislação sobre as condições nocivas de trabalho”, e a 155 determina que sejam levados em conta os “riscos para a saúde decorrentes da exposição simultânea a diversas substâncias ou agentes”, porque referidas convenções superaram a regra prevista na CLT e na Norma Regulamentadora 16 do Ministério do Trabalho e Emprego, no que se refere à percepção de apenas um adicional quando o trabalhador estiver sujeito a condições insalubres e perigosas no trabalho ao mesmo tempo.
Fonte: Revista Consultor Jurídico