No palácio do Jaburu e em seu escritório político, ele foi anfitrião de negociatas que somam mais de 80 milhões de reais, apontam delatores.
O pedido de Rodrigo Janot para investigar Eliseu Padilha, chefe da Casa-Civil, e Moreira Franco, Secretário-Geral da Presidência, é contundente. “A narrativa dos colaboradores e os elementos de corroboração apontam para a obtenção ilícita de recursos para o grupo político capitaneado por Michel Temer que, atualmente, ocupa o cargo de presidente da República”, assinala o Procurador-Geral da República em uma peça de 60 páginas apresentada, em 14 de março, a Edson Fachin, ministro do Supremo Tribunal Federal.
Em 4 de abril, o responsável pela Lava Jato na Corte autorizou a investigação sobre os subordinados mais próximos do atual presidente. Blindado pelo cargo, que o protege de responder por atos cometidos antes de sua posse, o peemedebista, identificado pela sigla MT nas trocas de mensagens entre empreiteiros, surge não apenas como o capitão de um grupo político. Segundo os depoimentos da Odebrecht, foi também o anfitrião de algumas das reuniões mais comprometedoras presentes nas 78 delações de executivos e ex-executivos da construtora.
Em seu escritório político em São Paulo e no Palácio do Jaburu, Temer teria sediado encontros que renderam a seu grupo, respectivamente, 40 milhões de dólares em 2010, cerca de 70,4 milhões de reais à época, e 10 milhões de reais em 2014: mais de 80 milhões. No primeiro caso, os delatores falam em “pura propina”.
À parte o montante movimentado a partir dessa reuniões, impressiona a declaração do ex-executivo Márcio Faria em seu termo de delação, ao narrar uma “contribuição” de 5% do valor de um contrato da Odebrecht com a Petrobras para o PMDB. “Foi a única vez em que estive com Michel Temer e Henrique Eduardo Alves e fiquei impressionado pela informalidade com que se tratou na reunião do tema de ‘contribuição partidária’ que na realidade era pura propina.” O peemedebista confirma ter estado em ambas as reuniões, mas nega ter solicitado recursos ilegais.
A influência de Temer é mencionada ainda pelo ex-executivo Benedicto Barbosa da Silva Júnior como um dos motivos que levaram a Odebrecht a pagar 4 milhões a Moreira Franco para facilitar o trâmite na concessão do aeroporto do Galeão, quando o atual secretário-geral da Presidência ocupava a Secretaria da Aviação Civil, em 2014.
Conheça os detalhes da delação de Márcio Faria e de outros executivos que implicam Temer, mas que o atingem apenas politicamente por ora:
O caso dos 40 milhões em propina
Em 2010, a Odebrecht celebrou um contrato com a Petrobras para a prestação de serviços de certificação de meio ambiente relacionados a ativos da estatal em 9 países. O valor do contrato originalmente era de 825,6 milhões de dólares, revisado depois para 481,6 milhões de dólares.
Aluísio Telles, então gerente da Diretoria Internacional da Petrobras indicado pelo PMDB, pediu um pagamento ao então executivo da Odebrecht Rogério Araújo de 3% do contrato caso a construtora fosse vitoriosa. Em troca, Telles teria prometido informações antecipadas do projeto da Petrobras. A proposta foi autorizada por Márcio Faria, segundo o próprio.
A manobra utilizada, diz Faria, foi combinar com Telles um prazo de 20 dias para outras empresas apresentarem suas propostas, o que levou à desistência das concorrentes da Odebrecht. Ao ter acesso privilegiado a informações do projeto de forma antecipada, a construtora venceu facilmente o certame.
Havia entre políticos do PT, narra Faria, um descontentamento com Telles, “sabidamente de indicação do PMDB”. A bolada de 40 milhões de dólares, 5% do contrato original, era a demanda de João Augusto Henriques, “interlocutor entre a Diretoria internacional e o PMDB”.
Em 15 de julho de 2010, Faria compareceu a uma reunião com Michel Temer, então vice-presidente da república, em seu escritório político em São Paulo. Na sala de espera, Faria e Araújo foram recebidos por Eduardo Cunha, então um deputado em ascensão. Na sala, estariam presentes Temer, Henrique Eduardo Alves, ex-presidente da Câmara, e João Augusto Henriques.
Depois de tratar de amenidades e “conversas genéricas sobre o cenário político e eleições”, Cunha explicitou, segundo o delator, que, se fosse assinado o contrato, o PMDB deveria receber uma importante “contribuição para campanha política”, e pediu a confirmação do “compromisso mencionado”. Ficou claro, para Faria, que “se tratava de propina com relação à conquista do contrato e não uma “contribuição à campanha”.
“Foi a única vez em que estive com Michel Temer e Henrique Eduardo Alves e fiquei impressionado pela informalidade com que se tratou na reunião do tema de ‘contribuição partidária’ que na realidade era pura propina”, diz Faria. Também presente à reunião, Araújo confirma às autoridades o relato de Faria. “Nessa reunião, conduzida por Eduardo Cunha, ele comentou que o contrato seria adjudicado em favor da companhia e que o PMDB contaria com ajuda financeira para campanha política, o que foi concordado por Temer.”
No mesmo contrato, o PT também teria obtido sua parte, segundo os delatores. Via João Vaccari Neto, ex-tesoureiro do partido, Faria diz ter recebido a orientação para fazer pagamentos ao senador cassado Delcídio do Amaral e o senador Humberto Costa. Segundo a delação, cada um teria recebido 1 milhão, embora Faria diga não recordar se era em dólares ou reais.
Preso em Curitiba, Eduardo Cunha chegou a fazer um questionamento formal em sua defesa sobre se Temer tinha conhecimento de “alguma reunião sua com fornecedores da área internacional da Petrobras com vistas à doação de campanha para as eleições de 2010, no seu escritório político, juntamente com o sr. João Augusto Henriques.” Sérgio Moro, responsável pela Lava Jato na capital paranaense, indeferiu essa e mais 20 perguntas encaminhadas a Temer.
Em nota, a Secretaria Especial de Comunicação da Presidência afirmou que Temer jamais tratou de valores com Márcio Faria e contesta o envolvimento em “negócios escusos”. O peemedebista diz ainda que Henrique Alves, ex-presidente da Câmara, não estava presente. “O que realmente ocorreu foi que, em 2010 na cidade de São Paulo, Faria foi levado ao presidente pelo então deputado Eduardo Cunha”, diz Temer.
Embora reconheça que Temer atue “de forma muito mais indireta” em comparação à Padilha, “não sendo seu papel, em regra, pedir contribuições financeiras para o partido”, Claudio Melo Filho, ex-diretor de Relações Institucionais da Odebrecht, destaca que isso ocorreu “de maneira relevante no ano de 2014”, em seu termo de delação.
De acordo com a Melo Filho, em um jantar no Palácio do Jaburu, residência oficial da Vice-Presidência, Temer “solicitou direta e pessoalmente” para Marcelo Odebrecht, herdeiro do grupo empresarial, “apoio financeiro para as campanhas do PMDB” naquele ano.
“Chegamos no Palácio do Jaburu e fomos recebidos por Eliseu Padilha. Como Michel Temer ainda não tinha chegado, ficamos conversando amenidades em uma sala à direita de quem entra na residência pela entrada principal. Acredito que esta sala é uma biblioteca. Após a chegada de Michel Temer, sentamos na varanda em cadeiras de couro preto, com estrutura de alumínio.”
No jantar, diz Melo Filho, Marcelo Odebrecht definiu que seria feito um pagamento de 10 milhões de reais ao PMDB. O delator apresenta um email do herdeiro da empresa sobre o repasse dos recursos no qual ele se refere a Temer pelas iniciais “MT”.
Em depoimento à Justiça, Marcelo Odebrecht relatou que, antes do jantar, os repasses já haviam sido combinados entre Eliseu Padilha e Melo Filho. O evento seria “apenas um ‘shake hands’, uma formalização, um agradecimento”. “Temer nunca mencionou para mim os 10 milhões, mas obviamente que no jantar ele sabia”, diz o herdeiro do grupo. Temer nega ter tratado do assunto no encontro.
Melo Filho relata que Temer recebeu uma nota da Odebrecht sobre a atuação da empresa em Portugal, antes de uma viagem do então vice-presidente ao país europeu. “Esse exemplo deixa claro a espécie de contrapartida institucional esperada entre público e privado”, diz o executivo.
Do total de 10 milhões de reais, Padilha ficou responsável por receber, segundo a delação, 4 milhões de reais. O restante, segundo compreendeu Melo Filho à época, foram alocados para o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, então candidato a governador de São Paulo pelo PMDB.
O setor de operações estruturadas da Odebrecht utilizou o codinome “Angorá” para definir Padilha nessa operação financeira, embora o apelido seja atribuído no restante da delação a Moreira Franco. O pagamento de parte dos 10 milhões teria sido feito na sede do escritório de advocacia José Yunes e Associados. Ex-assessor especial de Temer, José Yunes, amigo de longa data do peemedebista, deixou o cargo e confirmou posteriormente que recebeu um “pacote” em seu escritório.
Em contato frequente com Padilha, seu principal interlocutor junto a Temer, Melo Filho diz que parte do pagamento pedido por Temer, aproximadamente 1 milhão de reais, foi destinada ao deputado cassado Eduardo Cunha, segundo lhe informou à época Padilha. Melo Filho relata reclamações de Cunha pela demora na confirmação do pagamento.
“Procurei Eduardo Cunha para acalmá-lo e esclarecer que não tinha conhecimento de que o pagamento feito a Eliseu Padilha seria repassado a ele e quais eram os valores que havia sido definidos, pois isso não era determinado pela empresa.”
Nos questionamentos a Temer indeferidos por Moro, Cunha perguntou sobre a relação de Temer com Yunes e se o presidente “recebeu alguma contribuição de campanha para alguma eleição de Vossa Excelência ou do PMDB”. Na terceira pergunta, Cunha levantava a possibilidade de caixa dois ou propina ao indagar se as contribuições “foram realizadas de forma oficial ou não declarada”.
Quatro milhões para Moreira Franco e Padilha: um agrado a Temer
Às autoridades, o ex-executivo da Odebrecht Paulo Cesena relata que participou, em março de 2014, de reuniões com Moreira Fraco, então secretário de Aviação Civil, para discutir questões relativas à gestão do aeroporto do Galeão. Nesse contexto, Moreira Franco teria feito uma solicitação de vantagem indevida de 4 milhões de reais.
Segundo Benedicto Barbosa da Silva Júnior, outro delator, o pagamento foi autorizado por Moreira Franco ser “um dos mais fortes representantes do PMDB ligado a Michel Temer”. Havia o risco ainda, segundo os executivos da empreiteira, de uma retaliação do então secretário da Aviação Civil em relação à concessão do Galeão. Padilha, o “primo” nas planilhas, teria recebido a quantia em três parcelas.
As mensagens de Cunha a Leo Pinheiro sobre Temer
Em seu pedido de inquérito a Fachin, Janot fez questão de anexar mensagens extraídas de celulares do executivo Leo Pinheiro, ex-presidente OAS, relativas a outro processo, para mostrar a longevidade das relações do grupo “capitaneado por Michel Temer”.
Vencedora da operação de Guarulhos, a OAS teria repassado 5 milhões de reais à conta da campanha de Temer em 2014. O episódio irritou Eduardo Cunha, que passou a trocar mensagens com Leo Pinheiro a reclamar de um pagamento antecipado ao então vice-presidente.
Cunha afirmou que Moreira Franco, secretário de Aviação Civil, poderia prejudicar os interesses da OAS “mais rapidamente” do que Cunha, Henrique Alves e Geddel Vieira Lima. “Você ter feito 5 paus para Michel direto de uma vez antes, todos souberam e dá barulho sem resolver os amigos”, disse Cunha em uma das mensagens.
Em seu pedido de inquérito, Janot resume a atuação do grupo, antes de apresentar o caso dos 4 milhões supostamente pagos a Moreira Franco e Padilha pela Odebrecht: “O contexto das vantagens ilícitas é sempre muito parecido. A solicitação é feita a pretexto de utilização dos recursos em futuras campanhas eleitorais de interesse do grupo utilizando-se o peso político dos participantes, especialmente do então vice-presidente, com o aporte de recursos provenientes das operações da companhia vinculadas aos interesses da Secretaria de Aviação Civil da Presidência da República.”
Fonte: Carta Capital