Um dos últimos “grandes” outsiders das eleições de 2018 anunciou no início de julho que está fora da corrida eleitoral deste ano. O apresentador da Band José Luiz Datena havia apresentado sua pré-candidatura ao Senado pelo DEM e voltou atrás em menos de uma semana. No mesmo dia retornou a seu programa dominical na emissora.

Não é a primeira vez que faz isso e nem o único. Nas eleições de 2016, o jornalista já havia ensaiado disputar a prefeitura de São Paulo pelo PP, mas retirou sua pré-candidatura.

“Achei que não era a hora de participar dessa política do jeito que ela esta aí”, afirmou à imprensa sobre a mais recente desistência.

Neste ano eleitoral houve ao menos outras duas baixas entre os “famosos” citados em pesquisas eleitorais, ambos postulantes ao Palácio do Planalto: o ex-ministro do STF Joaquim Barbosa e o apresentador global Luciano Huck.

Na ocasião em que Barbosa anunciou sua desistência no Twitter, Datena lamentou a retirada do ex-magistrado sem prever que ele próprio seria o próximo a repetir o feito. “Era o cara que [eu] passaria perto de votar”. “Virei órfão político”, declarou à Folha de S. Paulo

Os motivos que o fizeram desistir, assim como no caso de Barbosa e Huck, podem ser resumidos em três aspectos no olhar de cientistas políticos ouvidos pela reportagem: questão pessoal e familiar, finanças e exposição da vida privada.

Antes mesmo de anunciar sua entrada no jogo eleitoral, Datena disse à imprensa que sua mulher chorava “dia e noite” com receio. Ao anunciar seu nome como pré-candidato, o apresentador informou que sua decisão foi tomada junto com seus familiares.

Entre os argumentos, Huck e Barbosa alegaram questões pessoais e familiares para abandonar o pleito. Para Claudio Couto, cientista político, essa motivação pode ou não ser verossímil. “A política profissional é demandante e não é fácil ser familiar de político. Político não tem hora, político tem sua vida privada devassada, sofre ataques, ou seja, tem uma vida muito exposta. Tudo isso pesa para a família e, consequentemente, é uma escolha difícil para quem tem uma vida razoavelmente organizada e estruturada. Há quem consiga lidar bem isso, há que não consiga”, diz. 

“Isso é uma explicação plausível, embora não necessariamente a única. Às vezes dizer que são problemas particulares é uma boa maneira de não dar explicação, afinal de contas ninguém tem que dar satisfação dos seus problemas particulares para os outros.”

Outro argumento em voga está relacionado com a questão financeira. Os dois apresentadores de televisão têm rendimentos que podem facilmente chegar a mais de R$ 1 milhão ao mês, entre salário e participação em campanhas publicitárias.

No caso do ex-ministro do STF, sua aposentadoria na corte do Supremo lhe garante R$ 33.763,00. Não há dados sobre o quanto lhe rende sua atuação no escritório de advocacia que montou em São Paulo após se retirar do tribunal. O salário bruto de um presidente da República é de R$ 30.934,70.

Ganhando ou perdendo o pleito, Jairo Pimentel, cientista político e especialista em pesquisas eleitorais, crê que a chance de perdas no campo profissional são muito altas. “Eles [Datena e Huck] têm muito a perder ao entrar na política. Pode significar o fim de carreiras bem sucedidas. Uma das condições impostas ao Luciano Huck pela Globo é que ele deixasse o programa de TV e se descompatibilizar da emissora. Imagina quantos milhões ele deixaria de ganhar nesse período. Isso pesa no curto e no longo prazo porque uma vez candidato, sendo eleito ou não, afeta diretamente o rumo dele dentro do seu ramo mais tradicional. E isso representa um fator de desistência das candidaturas.”

A ideia é corroborada por Couto: “Quanto será que Datena e o Luciano Huck ganham nos programas deles de televisão? Será que eles vão abrir mão dessa vida confortável de ganhos muito consideráveis, de cobranças muito pequenas com relação à vida pública em prol de uma alternativa muito menos interessante que á a atividade política? Acho que é esse o ponto e talvez por isso tenham desistido sem sequer ter começado”.

Ainda na esfera econômica, outro ponto delicado é a perspectiva dos partidos em contar com o aporte financeiro de seus outsiders nas campanhas. O apresentador da Band chegou a afirmar que não ia colocar nenhum recurso próprio para a disputa da cadeira do Senado. A postura do apresentador contratasta com a do tucano João Dória, que chegou à prefeitura de São Paulo investindo quase 3 milhões de reais de sua fortuna pessoal. 

Outro obstáculo para os novatos está relacionada a própria inexperiência em lidar com a estrutura e comandos dos partidos políticos. Datena declarou à Folha de S.Paulo que se o enchessem na política poderia “dar uma bica na bola”, referindo-se a uma possível desistência do pleito.

Segundo Couto, tal postura mostra o próprio equívoco que seria sua candidatura. “Ninguém faz política sem aceitar algum tipo de imposição por parte do partido. É preciso fazer negociações, a política requer busca de soluções de compromissos e negociações. Acho que, inclusive, a dificuldade de lidar com isso foi uma das coisa que levou à tragédia da Dilma: uma pessoa muito pouco propensa a buscar soluções de compromisso, a dialogar, a negociar consequentemente. Terminou como terminou”, explica.

A personalidade do outsider é fator determinante das dificuldades do apresentador em compreender o funcionamento do mundo político. “O Datena achando que por seus belos olhos e pela sua popularidade como apresentador de TV poderia entrar na política sem fazer qualquer tipo de concessão é algo completamente equivocado. É um erro achar que dá para fazer política sem qualquer tipo de concessão, achando que chegando ali já chega por cima de todo mundo. Uma bobagem. Acho que mostra a incompreensão que é a vida política”, afirma Couto, que defende que a política deve ser exercida profissionalmente.

Pimentel corrobora com a reflexão e ressalta que a vantagem dele em relação a Huck estava nos seus bons resultados nas intenções de votos. “O Datena tinha mais probabilidade de ser eleito em relação ao Huck, até porque o cargo era mais fácil de ser alcançado. Provavelmente o que pesou mais para o Datena foi a incompatibilidade de sua personalidade com o mundo político. Ele é uma pessoa cuja personalidade não é muito afeita a aceitar o dissenso ou de aceitar contestações.”

Renovação política?

Datena, Barbosa e Huck, no curto período que estiveram sob o olhar dos partidos, sempre foram vendidos ao eleitorado como nomes que poderiam renovar a política brasileira. “A gente vive um momento em que a opinião pública clama por alguém de fora da política para arejar o sistema tendo em vista os escândalos de corrupção, e mesmo a crise econômica que a opinião pública co-relaciona à crise moral. Os outsiders representam uma esperança desse quadro”, afirma Pimentel, que também ressalta a ânsia por novos nomes da política como algo frequente. 

“Sempre houve um discurso de renovação política. Talvez a renovação que tivemos mais ampla foi com a que veio com a redemocratização. Mesmo os caras-pintadas, hoje, já estão velhos. Mas isso é sempre uma demanda necessária porque a política é uma estrutura de busca pelo poder, por força, por recursos que acaba transmitindo a ideia de que ela sempre precisa ser moralizada”. O problema, aponta ele, é justamente o fato de o sistema político ser muito refratário a mudanças. “Ele é muito mais construída para a manutenção das coisas.”

Para Couto, a renovação não deve vir necessariamente a partir dos outsiders. “Vamos imaginar que a ‘nova política’ seja uma maneira de fazer política diferente daquela que vem sendo feita tradicionalmente no país. Ela não precisa ser algo feita necessariamente por outsiders. Por trás dessa ideia existe uma crença ao meu ver equivocada de que a política não pode ser exercida profissionalmente e que ao ser exercida profissionalmente é que se produz o problema”.

Ele aponta que assim como existem maus profissionais em outras áreas e atividades, o mesmo acontece na esfera política.

“Claro que há uma série de problemas nas nossas instituições. Elas produzem um recrutamento perverso da classe política. A qualidade de políticos no âmbito dos partidos e do legislativo é muito ruim e tem produzido um efeito negativo, mas isso não quer dizer que a solução para isso seja necessariamente a entrada de outsiders. É claro que uma renovação do ponto de vista de você não ter sempre os mesmo quadros pode ser uma coisa positiva. É bom ter sangue novo na política como é bom ter sangue novo em qualquer outra atividade humana. Agora o fato de outsiders terem tido seus nomes aventados a concorrer e rapidamente terem desistido, talvez isso só confirme o ponto de que política é para profissional”.

“Quem está ali em uma aventura ou tentativa voluntarista de resolver os problemas com base na suas boas intenções ou acreditando que vai poder fazer isso como esporte, talvez não tenha tantas condições de competir como acreditava que teria”, conclui.

Fonte: Carta Capital