O agronegócio, modelo de produção agrícola baseado no monocultivo, no grande latifúndio e no uso ostensivo de agrotóxicos, consome cerca de 70% dos recursos de terra e água do planeta, mas produz apenas 30% do alimento mundial. Além disso, esse modelo de produção gera 40% das emissões de gases de efeito estufa.

Já a agricultura familiar e camponesa é responsável por 70% dos alimentos, enquanto utiliza apenas 30% dos mesmos recursos. Os dados são do Grupo de Ação sobre Erosão, Tecnologia e Concentração (ETC) e revelam uma realidade completamente diferente do que prega o discurso das corporações agrícolas sobre o compromisso de alimentar a humanidade.

“Tudo o que eles [grupos empresariais que atuam no ramo de alimentos] fazem não é para realmente combater a fome, mas para controlar mais o mercado e controlar o mercado de quem pode pagar por ele”, analisa Maureen Santos, coordenadora de Programas e Projetos de Justiça Socioambiental da Fundação Heinrich Böll Brasil.

A exigência de pagamento de royalties por patentes, por exemplo, é uma das formas de controle de mercado, já que o agricultor que planta culturas transgênicas fica vinculado, por força de contrato, à empresa que detém a propriedade intelectual da semente – a safra transgênica não produz sementes férteis, forçando o produtor rural a comprar novas sementes das corporações a cada colheita.

Dessa forma, os agricultores são restringidos no direito de decidir sobre seu próprio sistema alimentar e produtivo, já que as multinacionais agroquímicas controlam cerca de 68% de todo o fornecimento comercial de sementes, conforme dados do Grupo ETC.

“Essas grandes tecnologias de sementes estão muito ligadas a alimentos que não se come, como a soja, que é a base em alguns lugares do mundo, mas ela não é a base da população da grande maioria dos países”, completa Santos.

O agro é ‘tech’?

A concentração de insumos agrícolas e sementes transgênicas nas mãos de poucas empresas impulsiona também a dependência de fertilizantes químicos e pesticidas, que são produzidos pelas mesmas empresas. São produtos capazes de contaminar todas as formas de vida.  

“Em Mato Grosso, foi feita uma pesquisa onde a água, a terra, o ar, os alimentos, tudo, até o leite materno de mulheres amamentando, estão envenenados por esses agrotóxicos”, enfatiza Regina Reinart, encarregada de projetos da Misereor na América Latina. A organização da Igreja Católica da Alemanha de combate à miséria atua em diversos países de América, África e Ásia.

Dos 504 agrotóxicos liberados no Brasil, 30% são proibidos na União Europeia pelos riscos que oferecem à saúde e ao meio ambiente. Há uma década, o Brasil lidera o uso de agrotóxicos no mundo, com 20% do comércio mundial. As consequências sociais, sanitárias e ecológicas desse modelo de produção atingem, principalmente, os povos e comunidades tradicionais, como afirma Reinart.

Pesquisas têm relacionado o uso de agrotóxicos com o aumento no número de doenças psiquiátricas e suicídios no meio rural.

Agro é ‘pop’?

De 2013 a 2017, o número de assassinatos no campo subiu 105%, muitos deles em chacinas relacionadas justamente à disputa pelos modos de produção no campo, de acordo com a Comissão Pastoral da Terra (CPT). Além do aumento no número de mortes, as tentativas de assassinatos subiram 63%, e as ameaças de morte, 13%.

Entre as vítimas dos conflitos, figuram principalmente camponeses, indígenas e quilombolas. Já os agentes da violência são, em grande medida, fazendeiros, empresários e grileiros, seguidos de mineradoras, madeireiras, hidrelétricas e do próprio Estado, que deveria coibir a violência.

O trabalho escravo e o êxodo rural também são pontos cruciais das estratégias do capital internacional para o campo, como destaca Pat Mooney, fundador e diretor-executivo do Grupo ETC.

“A falta de alimentos nutritivos, além dos altos preços, sempre gera violência. A luta pelo controle da terra e pelo controle da água para a irrigação neste mundo certamente gera violência. E isso leva a mais migrações e todas as tragédias que acontecem durante a migração de uma parte do mundo para outra. Essas coisas estão intrinsecamente ligadas”.

“Tudo isso é um ciclo vicioso desse comércio do agronegócio e do plano econômico do Brasil, que está vendendo o país sem respeitar a lei da natureza e os povos”, completa Regina Reinart.

O agro é lobby

No âmbito político, a bancada ruralista, conjunto de deputados e senadores que representa o agronegócio corporativo no Legislativo brasileiro, articula para restringir direitos dos trabalhadores do campo enquanto patrocina propostas como o Projeto de Lei 6.299/2002, conhecido como Pacote do Veneno, aprovado em comissão especial da Câmara dos Deputados no último dia 25 de junho. A proposta pretende facilitar a produção, importação, registro e comércio de agrotóxicos no Brasil.

O lobby do agronegócio se intensificou ainda mais por meio de uma série de megafusões entre as multinacionais que atuam no setor de alimentos. No ano passado, foram as estadunisendes Dow e Du Pont, além da suíça Syngenta com a estatal ChemChina.

Também, há pouco mais de um mês, a conclusão da compra bilionária da estadunidense Monsanto pela alemã Bayer concentrou ainda mais o mercado de insumos agrícolas. “Bay-Santo”, como a fusão da empresa foi apelidada pelas entidades que analisam o setor, agora é a maior fornecedora de sementes e pesticidas do mundo. Juntas, elas vão deter 34 das 75 variedades transgênicas registradas hoje no Brasil, conforme dados da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio).

Em contrapartida, Mooney ressalta que a rede de produção familiar e camponesa é imensamente mais inovadora, bem-sucedida e eficiente econômica e financeiramente do que a cadeia industrial de alimentos.

“Isso significa, se olharmos a questão da segurança alimentar, que temos que nos perguntar: quem tem mais condições de ajudar o mundo a lidar com as mudanças climáticas e todas as crises que esperamos enfrentar no futuro? Uma rede campesina de produção de alimentos, com uma imensa diversidade e altamente descentralizada, ou uma cadeia industrial de alimentos altamente centralizada e concentrada que trabalha com pouquíssimas espécies e variedades de plantas?”, questiona.

Fonte: Brasil de Fato