O Senado Federal pode se tornar uma referência na consolidação de dados sobre violência contra mulher. É no que aposta a senadora Simone Tebet (PMDB-MS), autora de dois projetos de resolução aprovados na terça-feira (22) pelo Plenário. O primeiro (PRS 64/2015) cria, no âmbito do Senado, o Observatório da Mulher contra a Violência. O segundo (PRS 65/2015) confere ao Instituto DataSenado o papel de auxiliar nas pesquisas e levantamentos sobre o tema que fundamentem as políticas públicas no país.
— É realmente colocar o Senado como uma referência no mundo. Não acredito que tenha em nenhuma república no globo terrestre um Senado com um instituto de pesquisa que vá, a partir de agora, fazer um estudo, todo um levantamento, um banco de dados unificado e confiável, para levantarmos realmente as estatísticas da violência contra a mulher, seja doméstica, seja fora de casa — disse a senadora.
Confira a entrevista com a senadora Simone Tebet, presidente da Comissão Mista de Combate a Violência Contra a Mulher.
Como funcionará o Observatório da Mulher contra a Violência?
O Observatório terá a função de reunir e sistematizar as estatísticas oficiais sobre a violência contra a mulher. A unidade também vai estudar a situação da violência contra a mulher, analisar e produzir relatórios a partir dos dados oficiais e públicos, além de elaborar e coordenar projetos de pesquisa sobre as políticas de prevenção, de atendimento às vítimas, e de combate à violência. Seus dados vão subsidiar o trabalho da Procuradoria Especial da Mulher do Senado e da Comissão Permanente Mista de Combate à Violência contra a Mulher.
Como surgiu a iniciativa?
Informação é o primeiro passo. Porque sem isso nós não tínhamos como avançar. Se temos pouco tempo, pouca energia e pouco dinheiro, temos que focar, tentando direcionar esse recurso, essa energia, para o setor mais necessário e nós não tínhamos elementos para isso. O que me chamou atenção, o que me fez pensar nesse Observatório da Mulher contra a Violência no Senado, foi nós já termos um DataSenado, que agora como um instituto, passa a ser um banco de dados universal unificado, confiável e oficial do Brasil em relação a questão da violência contra a mulher.
Percebemos muitas perguntas e pouquíssimas respostas e talvez uma ou duas certezas apenas. A primeira certeza é que os nossos filhos, os meninos, não nascem com o DNA da violência. Eles aprendem dentro de casa, às vezes com um pai violento, ou fora de casa, na escola, na rua ou com a sociedade. E a segunda certeza é de que não tínhamos estatísticas confiáveis, ficávamos dependendo de números de organismos internacionais ou de algum ente nacional que gostaria ou que faz uma pesquisa sobre a violência contra a mulher.
Qual será o papel do DataSenado neste processo?
O DataSenado atuará como parceiro contra a violência contra a mulher. Não acredito que tenha em nenhuma república no globo terrestre um Senado com um instituto de pesquisa — como nós transformamos o DataSenado, pelo projeto de resolução de nossa autoria — que vá, a partir de agora, fazer um estudo, todo um levantamento, um banco de dados unificado e confiável, para levantarmos realmente as estatísticas da violência contra a mulher.
Com os dados reunidos, o que poderá ser feito?
A Lei Maria da Penha fala para se fazer estatística, levantar um banco de dados do gênero, que é o caso da mulher; e raça, que é a etnia, já preocupados desde lá com essa questão. Nós vamos unir, estudar e avaliar esses dados. E essa é a ideia do Observatório. E vamos entregar essas informações para serem estudadas nas faculdades, para serem utilizadas para políticas públicas mais certeiras, para atingirem o foco nos municípios, nos estados e no governo federal. Isso é um embriãozinho. Essa ideia pode gerar frutos inimagináveis, nós podemos ser referência no mundo.
Qual resultado a senhora acredita que os dados podem trazer?
Primeiro, queremos fazer do Senado Federal brasileiro, provavelmente o único Senado entre as repúblicas no mundo que tenha um Observatório da Mulher contra a Violência. Segundo, é realmente contribuir para que nós possamos prevenir, punir e erradicar esse mal, essa barbárie que acontece dentro e fora de casa. A violência contra a mulher é uma mancha na nossa história. Uma em cada quatro mulheres sofreu, sofre ou sofrerá algum tipo de violência na sua vida adulta. Imagina que tem dados que falam ser uma em cada três no que se refere à violência sexual entre as mulheres. É muito sério. São 25% das mulheres.
A ideia [do Observatório] surgiu assim, quando eu vi uma estatística que me assustou: uma pesquisa confiável revelou que aumentou em mais de 50% a violência contra a mulher negra nos últimos dez anos e diminuiu em 9% a violência contra a mulher branca. Esse dado é fundamental. Imagina se nós estivéssemos direcionando as nossas energias para o caminho errado. Então o que nós queremos com o Observatório é que ele nos dê foco, que ele nos ajude a prevenir, a punir; Mas, principalmente, que ele nos ajude a erradicar a violência contra a mulher no Brasil.
A senhora acredita que a violência contra a mulher é uma questão cultural?
Eu acredito que vai mostrar. Eu tenho convicção de que por ser uma questão cultural, que se aprende e não que se nasce, com raras exceções — nós sabemos que há essas exceções por uma questão patológica mesmo, uma doença. O que nós queremos é, além de direcionar as políticas públicas mais eficientes no combate, na punição e na erradicação, que esses números também mostrem a importância do trabalho preventivo, a importância de se focar dentro das escolas, desde a pré-escola, na importância de se saber que homens e mulheres nascem iguais, que não há diferença. Não pode haver diferença salarial. O menino tem que respeitar a menina, que em mulher não se bate nem com uma flor. Nós somos, sim, fisicamente mais frágeis, e por isso não se pode sair na briga com uma menina. Então são questões simples como essas. Mostrar ao jovem que aquilo que às vezes ele vê dentro de casa não é o certo, e trabalhar para que ele não se torne um adulto violento.
Essa prevenção, eu diria assim o sonho final, ainda é uma utopia. Mas a gente fala que em breve é um sonho que se tornará realidade. É o prevenir para que tenhamos uma futura geração, daqui a 15, 20 anos, que não mais cometa esse crime, que não é um crime apenas contra a mulher, é um crime contra toda a sociedade.
Empoderar a mulher também seria uma estratégia para acabar com a violência?
Eu diria que até mais, eu diria que passa por outra questão. Nós percebemos também — por isso que os dados que o DataSenado provavelmente vão nos confirmar; a gente ainda não tem certeza sobre isso — mas mostra-se que, quanto maior o grau de instrução da mulher, quanto mais escolaridade ela tem, mais rapidamente ela rompe [com a relação violenta].
Não que o pobre que bate em mulher, não é isso. Mas quando a mulher com uma condição econômica maior apanha, ela rompe esse ciclo mais rapidamente. Ela apanha uma vez, pode até ser que ela perdoe uma vez, mas ela não perdoa uma segunda vez. Se não for um relacionamento mais doentio ou que envolva uma questão psicológica, ela rompe mais rapidamente. E não é por uma questão de amor, não é que ela ama menos que uma pessoa mais pobre. É que ela sabe que vai ter onde levar seus filhos, se ela sair de casa ou se ela expulsar o companheiro. Já a mulher mais humilde, ela vai pensar: ‘Como vou criar meus filhos, mesmo que não seja eu, que seja ele a sair de casa, quem é que vai nos sustentar, eu vou morar aonde com os meus filhos?’ E ela aguenta essa violência pensando acima de tudo nos filhos, para evitar uma violência diferente em relação a eles.
O empoderamento da mulher, em todos os sentidos, na iniciativa pública, na iniciativa privada, nos cargo de direção, de gerentes de banco, de chefes de departamento, nas fábricas, no comércio e tudo mais, faz com que ela tenha uma renda salarial, uma autonomia econômica. O que faz com ela dê esse passo mais rapidamente.
Fonte: Agência Senado