Se aprovada, a proposta de emenda à Constituição (PEC) que fixa teto para gastos públicos por 20 anos resultará na “canibalização” dos recursos da Previdência Social, conforme especialistas ouvidos nesta segunda-feira (21) em audiência pública conjunta das Comissões de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) e de Assuntos Econômicos (CAE).
De acordo com Guilherme Delgado, especialista em Política de Desenvolvimento e Previdência, uma das manifestações desse processo ocorrerá na apresentação de emendas ao Orçamento da União.
Ao limitar à inflação do ano anterior o crescimento do gasto primário, que inclui saúde, educação e despesas de funcionamento do Estado, a PEC 55/2016 forçará uma disputa por recursos que resultará na “canibalização” na Previdência.
– Setores com mais lobby para apresentar emendas constitucionais podem crescer, retirando o cobertor dos setores mais débeis, que, por serem mais débeis, estavam protegidos pelo ordenamento constitucional – disse.
Esse processo de “darwinismo social”, disse, conduzirá a uma maior precarização de serviços como saúde, assistência social e seguro desemprego.
A opinião foi compartilhada por Floriano Martins de Sá Neto, vice-presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Anfip), e João Marcos de Souza, presidente da Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco).
– E evidente que, quando houver a aprovação dessa PEC, um dos pontos que será mais atacado será a Previdência, é aí que o governo vai atacar, porque é daí que ele vai dizer que precisa tirar dinheiro para as outras áreas – afirmou Souza.
Também Floriano Martins disse não ter dúvidas de que as dificuldades hoje enfrentadas pela saúde, assistência social e educação serão agravadas com as mudanças propostas.
Os presidentes da CDH, Paulo Paim (PT-RS), e da CAE, Gleisi Hoffmann (PT-PR), disseram que as audiências públicas realizadas pelas comissões do Senado ajudam a esclarecer a população sobre os prejuízos que podem causar as medidas contidas na PEC do Teto de Gastos.
– O governo utiliza argumentos fáceis, dizendo que haverá economia das contas públicas, que o Estado é igual à casa da gente, e acaba convencendo uma parcela da população de que é uma medida justa – disse Gleisi, ao elogiar o movimento sindical e as entidades da sociedade civil que se mobilizam para barrar a proposta no Senado.
Também Lindbergh Faria (PT-RJ) acusou o governo de usar “argumentos falaciosos” para convencer a população de que não haverá corte de verbas na saúde e na educação.
O senador lembrou que em 2015 as despesas primárias chegaram a 19,8% do produto interno bruto (PIB), índice que o governo quer reduzir para 14,8%. Ele observou, no entanto, que um estudo do Fundo Monetério Internacional (FMI) mostra que, de 192 países, só 11 têm gastos primários menores do que 16% do PIB, sendo que nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) os gastos primários chegam a 40% do PIB.
Estratégia
A PEC 55/2016 não trata diretamente de Previdência Social, lembra Guilherme Delgado, mas se insere em estratégia adotada pela equipe de Michel Temer de “cerco e aniquilamento” que aponta como única saída o corte de gastos previdenciários.
– Anunciadamente, e em satisfação aos interesses que estão sendo protegidos pela PEC, se diz que virá em seguida a reforma da Previdência, que iria limitar os gastos previdenciários – salientou.
Isso seria feito, como exemplificou, pela retirada da vinculação ao salário mínimo, transferindo ao ministro da Fazenda a atribuição de definir, por portaria, o piso previdenciário do ano. Dessa forma, diz João Marcos de Souza, as perdas afetariam tanto o trabalhador do setor privado quanto do setor público.
– O trabalhador da iniciativa privada às vezes aplaude [a PEC 55/2016] dizendo que vai atingir apenas o servidor público. Ledo engano! Vai atingir a todos. É uma proposta de desvinculação do salário mínimo para aposentadorias e pensões. É o retorno à aposentadoria miserável que já tivemos no passado – alertou o dirigente da Fenafisco.
Para Sebastião Soares da Silva, da Nova Central Sindical dos Trabalhadores, alguns sindicatos do setor privado têm a ilusão de que não serão afetados pela proposta.
– Boa parte acha que é uma questão só de servidor público, mas não é. A PEC 55 atinge o setor privado e o setor público – disse.
Os aposentados estão preocupados, como afirmou Gilson Matos, diretor da Confederação Brasileira de Aposentados e Pensionistas. Assim como Saulo Arcangeli, da Central Sindical e Popular, Matos criticou a extinção do Ministério da Previdência Social e a transferência da gestão do sistema previdenciário para o Ministério da Fazenda.
Dívida pública
Os participantes da audiência pública cobraram do governo medidas para aumentar a receita, como o combate a sonegadores e a taxação de grandes fortunas. Também criticaram a PEC por atacar gastos primários e não prever medidas para conter o crescimento da dívida pública.
– Não são programas sociais, não é o pagamento dos servidores públicos e muito menos da seguridade social que geram desequilíbrios no Orçamento da União. A raiz do problema é a emissão de títulos do governo, um superendividamento pela emissão desenfreada de títulos – afirmou Tiago Beck Kidricki, da seção da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio Grande do Sul.
Também Maria Lúcia Fatorelli, coordenadora da entidade Auditoria Cidadã da Dívida Pública, considerou a proposta de teto de gastos públicos inconstitucional, por retirar direitos sociais e por incluir privilégios ao setor financeiro.
– O Senado está surdo a denúncias? O que está por trás dessa PEC é a garantia, no texto constitucional, sem teto, sem limite, sem controle algum, de recursos com liberdade total para juros da chamada dívida pública, que nunca foi auditada como manda a Constituição, e para empresas estatais não dependentes. Um esquema fraudulento está entrando no Brasil – alertou.
Como informou, 42% do gasto do governo federal são destinados ao pagamento de juros e amortização da dívida pública.
Para Alfredo Portinari Maranca, presidente do Sindicato dos Agentes Fiscais de Rendas do Estado de São Paulo, a PEC faz clara opção por limitar políticas publicas e liberar gastos para pagamento de juros bancários.
– Entre gastar com políticas públicas e gastar com juros bancários, diz a PEC 55 que devemos nos dedicar aos juros bancários. Isso, colocado na Constituição, é muito grave, pois altera os pilares fundamentais da Constituição de 1988 – concluiu.
Fonte: Agência Senado